Indolor: 6ª Edição da Bolsa Pampulha, Belo Horizonte - MG (2016).

 

A obra de Victor Mattina traz consigo um desafio complexo e longínquo: como tornar visível o invisível. Suas pinturas figurativas que, grosso modo, poderiam ser descritas como a cena de um hospital, uma sala de jogos, ou ainda um jardim contido e turbulento, são tudo, menos meras paisagens cotidianas. Jamais nos recordamos desses lugares dessa forma quando diante de suas telas. Olhadas uma ao lado da outra, as três pinturas formam, em verdade, uma sintaxe visual que exala a angústia de uma presença ausente. Essa ausência nos fala, forja-nos, e contamina. De algum modo tateamos o fato, tão abstrato, de que somos também sujeito daquilo que vemos.

Mattina se inscreveu no edital da sexta edição da Bolsa Pampulha como um pintor – artista cuja linguagem é comumente avessa à natureza desse tipo de programa. Naquele gesto, desejava pesquisar o universo dos hospitais psiquiátricos e também aqueles de culto e devoção religiosa em Belo Horizonte.

“Contaminação”, “Contenção” e “Vacância”, as três telas exibidas no Museu da Pampulha, são frutos desse processo. A cama que flutua, o jardim que é só espera, o jogo que já terminou ou sequer teve início... Pinturas seguras e, a um só tempo, mancas. Mancas por incluírem o silêncio, a falta, o outro gaguejante, habitante de territórios às margens, que a tornou possível.

A sensibilidade para perceber um dos maiores nós de nossa época, qual seja, a disparidade da natureza dos tempos, encontra-se nessas palavras do artista: “Dá pra pensar que a marcha lenta dessa vida que enferruja é mais próxima à das plantas que a de outras pessoas. Lidar com brotos, vê-los virarem folhas, com frutos e flores é uma boa maneira de aprender a abandonar o relógio e viver no tempo das coisas. Tudo vive e tudo quer, a pena é que as coisas superam a gente nesse sentido.”

A atenção de Victor Mattina volta-se para locais destinados a acolher sofrimento ou questionamento extremos, ou seja, embebidos de um registro que é, sobretudo, intangível. Entretanto, tais espaços jamais foram incorporados em sua pesquisa, ecoando qualquer traço de oportunismo ou ilustração. Cada tela acolhe o mistério próprio da cena original. Um estado de desamparo ecoa no trabalho. Mas, no lugar de significar fragilidade, debilidade, o desamparo constitui uma insuspeita força, quando forja vínculos sociais. “É possível você utilizar uma saída mais freudiana para falar que as pessoas entram em relações sociais para firmar seus desamparos. Firmar seu desamparo quer dizer que você entra nas relações sabendo que não vai encontrar no outro aquilo o que o ampara. Eu vou encontrar no outro aquilo que me despossui, que me desampara. Mas é um desamparo formador. De certa forma, significa a capacidade que eu vou desenvolver de me abrir àquilo que eu não controlo no outro.”

Suas pinturas parecem murmurar, acompanhando os versos do poeta romântico Friedrich Hölderlin: “Ali onde mora o perigo / cresce aquilo que salva.”

 

Luisa Duarte

 
 

Entre Maio a Outubro de 2016, Mattina morou na cidade de Belo Horizonte para desenvolver seu projeto de pesquisa e residência da 6ª Edição da Bolsa Pampulha.

Acompanhado da psicóloga Fabiane Melo, percorreram instituições públicas e privadas da saúde mental na capital mineira. Fotografias, entrevistas e anotações se transformaram nesta série de trabalhos.

Curadoria: Cauê Alves

Texto: Luisa Duarte

Orientadores: Luisa Duarte, Mabe Bethônico e Moacir dos Anjos